Resumo:
Capoeira: de
arte negra a esporte branco. Alejandro
Frigerio
Por Aitor Cotelo Fernández
Capoeira
como expressão artística, mistura de luta e dança; que faz parte do patrimônio
cultural afro-brasileiro. Chega na forma de Capoeira Angola e surge uma
variante, a Capoeira Regional.
O trabalho, baseado em observações feitas desde 1983
até 1987, nas academias mais importantes propõe oito características que
definem a Capoeira Angola como uma forma artística única, criação
afro-brasileira que chega até nós com dança, luta, jogo, música, ritual e
mímica.
Capoeira como arte.
1.
Malícia: Referido a “habilidade de surpreender ao adversário,
de fechar-se e evitar ser apanhado de surpresa pelo outro”. A picardia no jogo
é admirada. O “angoleiro” distrai seu rival, brinca com ele mostrando-se
desprotegido para ser atacado e lançar um melhor contra-ataque.
2.
Complementação: Joga-se sempre perto do
rival e respondendo a seus movimentos através de ataques, defesas e
contra-ataques. Jogando e deixando jogar.
3.
Jogo baixo: O jogo de Angola tem muito movimento com ambas as
mãos no chão e pernadas baixas que possibilita maior quantidade de movimentos e
dá uma dinâmica especial ao jogo.
4.
Ausência de violência: Os
jogos na Capoeira Angola são, polo geral, jogos onde se busca atingir ao
adversário e evitar que nos alcance mais sem agressividade e quase sem contato.
Isto é um acordo entre os adversários mais em qualquer momento pode-se romper e
transformar o jogo em luta.
5.
Movimentos bonitos: Grande importância do
elemento estético, uma estética prôpia que surge do afro-brasileiro. Mais o
angoleiro nunca fará um movimento só por ser bonito no canto que sempre servem
como defensa, para o deslocamento ou para o ataque; mais como respostas aos
movimentos dos adversários. A beleza da Capoeira Angola reside em movimentos
encolhidos, fechados, para dar pouco espaço ao adversário. A expressão do
rosto, mãos e braços, a ginga mais dançada e, frequentemente, quase substituída
por passos do bailado de outras manifestações negras som parte desta estética.
6.
Música lenta: A Capoeira Angola
realizasse com ritmo lento, que favorece ao domínio do corpo e a mente.
7.
Importância do ritual: A
Capoeira é um jogo com regras, não escritas, muito importantes para ser
angoleiro. Se não se conhece quando sair do pé do berimbau ou uma chamada terá
a desaprovação entre os assistentes.
8.
Teatralidade: As expressões do rosto e corpo fam parte do jogo e, prévio
ao inicio deste, o capoeirista, ao pé do berimbau, pode cantar uma ladainha em
referencia ao mundo, a roda ou ao seu adversário; o qual pode responder a sua
mensagem. Se não responde dá-se passo ao canto de entrada, durante o qual se
fará sinais com gestos em direção ao alto (“Viva meu Deus”), ao Mestre (“Viva
meu mestre”), ao adversário (“é mandingueiro” ou “sabe jogar”), para os lados
(“joga aqui para cá”) ou em torno (“pelo mundo fora”). Durante o canto de
entrada também podem ser feitos gestos que invocam a proteção divina para o
jogo. Dá-se a mão ao adversário e este é convidado, ao acabar o canto de entrada
e começarem as cantigas, a jogar. Todos os assistentes podem
participar desta teatralização posto que qualquer possa iniciar um canto e, a
través destes, pode fazer-se referência ao que está acontecendo dentro da roda.
A
Capoeira é, insistimos, uma forma artística complexa, um jogo-luta, uma dança–ritual-teatro,
fruto da criação coletiva de um grupo social determinado – no caso, as camadas
populares negras do Brasil. Como tal, deve ser refletir as características mais
gerais do grupo do qual surge. Isto se vê claramente na ênfase que se dá, na Capoeira,
à malícia e à picardia.
Capoeira como luta.
Todos
os autores que já escreveram sobre Capoeira concordam em que o Mestre Bimba
influiu notavelmente na mudança da Capoeira tradicional. Ele foi o primeiro em
abrir uma escola de Capoeira em 1932. Foi o primeiro em desenvolver uma
metodologia de ensino e, a sua escola, tive importantes consequências no futuro
da Capoeira posto que grande parte de seus alunos pertencia á classe média e
alta baiana. Para alguns, isto ajuda a que a Capoeira comece a ganhar aceitação
social e passe a ser vista como uma manifestação cultural do povo baiano e assim,
em 1937, tem lugar a primeira apresentação reconhecida oficialmente no palácio
de governo baiano. Mais isto tem consequências menos positivas. O fato de
que a academia era frequentada por membros da burguesia acarreta uma alienação
com relação ao meio que deu origem à arte já que uma das medidas adotadas foi a
de acertar apenas alunos que tivessem carteira profissional assinada, ou que
fossem estudantes. “Formou-se um grupo de alunos brancos em torno de
Bimba que, de certa maneira, até mandavam. Bimba, apesar de ser um homem
excepcional, era ignorante. A verdade é que os negros tinham muito poucas
oportunidades de ir para a academia de Bimba aprender Regional. Não estou
dizendo que não havia negros praticando Regional, mas, para seis negros, havia
seiscentos brancos, enquanto em Angola, 80% eram negros” (Capoeira,
1985, p.162).
Com
Bimba, então, a Capoeira começa a sofrer uma transformação acelerada. Com ele,
deixa de ser brincadeira, vadiação, para ser uma luta propriamente dita. Bimba
era um temível lutador e talvez fosse sua fama que atraísse os jovens da
burguesia. A Capoeira de Bimba elimina ou reduz a ênfase nos efeitos cerimoniais,
rituais e lúdicos da Capoeira Angola, e incorpora novos elementos de luta que,
até aquele momento, eram-lhe estranhos: agarramentos, defesas contra estes e
certos golpes novos.
Capoeira como “folclore”.
Começa assim
o processo de legitimação social e, também, o processo de descentralização da Capoeira.
Sua prática diminui no ambiente que lhe deu origem, a rua e as festas de largo
e passa-se a praticá-la em recintos fechados, escolas que servem como meio de
vida para os mestres. Um dos fatores que mais contribuem para sua
descentralização é (Rego, 1968, p.361) o próprio órgão municipal de turismo da
Bahia. Estes programas frequentem apresentações para turistas, e as academias
começam a disputar entre si os favores da entidade, acrescentando ingredientes
diferentes (samba de roda, pilhérias, etc.) a suas apresentações a fim de
torná-las mais agradáveis para o turista. Assim a Capoeira se “folcloriza”. Em
vês de se impor como uma manifestação cultural popular, com características
próprias, apresenta-se uma imagem adulterada da mesma, procurando o que mais
impressione e agrade o turista.
Capoeira como esporte.
Na
Capoeira começa a ganhar popularidade a ideia de que, devidamente
regulamentada, poderia ganhar um lugar junto ás artes marciais orientais e, passaria
assim, a ser “a arte marcial brasileira”, uma luta esportiva com competições
regulamentadas. Surgem,
assim, em fins da década de 60, os primeiros campeonatos e tentativas
de regulamentação da Capoeira.
Neles, tentou-se “criar uma única nomenclatura para os golpes, um único sistema
de graduação de alunos, critérios
para a graduação de mestres, tudo com
a intenção de fundar federações
de Capoeira (...) e transformá-la
no esporte nacional”. Esse desenvolvimento da Capoeira/espore acarreta várias consequências
para a prática e a concepção vigente quanto a esta atividade. Entre elas,
destacamos:
1.
Crescente burocratização: Para
ser esporte tenham que existir associações, federações e uma confederação que
consagre um regulamento único para a competição e, como toda atividade de
origem popular não codificada, existem diferentes concepções em torno do que
ela é e de como deve ser praticada e ensinada e, os mestres, não querem ser
controlados por uma federação.
2.
Incorporação de elementos das artes marciais
orientais: a Capoeira incorpora elementos que as caracterizam. O
uniforme branco, a prática de pés descalços, o uso de cordões para classificar
diferentes etapas do aprendizado, a atitude séria e marcial durante os treinos,
a saudação ritual (em posição marcial) no início e no fim da aula. Também foram
acrescentados pontapés e golpes de mão que, tradicionalmente não existem na
Capoeira, modificou-se a execução de certos golpes que já existiam, tornando-os
“mais técnicos”. A “arte marcial
brasileira”, então, para gozar do prestígio das outras artes marciais mais bem
sucedidas, precisa serem cada vez menos brasileira, perdendo suas
características próprias e incorporando outras que lhe são alheias.
3.
Uma cooptação ideológica e política da arte pelo
sistema: A prática da Capoeira, “além de diversão, relax para
quem a pratica, ajuda a desenvolver o poder da vontade, a cultivar a cortesia,
e patrocina a moderação da linguagem, coopera com a formação do caráter...
(Senna, 1980, p.13).
4.
Concepçãos evolucionistas subjacentes: A
concepção evolucionista está graficamente expressa em Capoeira:
A Arte Marcial Brasileira, publicação de grande tiragem, escrita com a assessoria
de dirigentes de Federação Paulista de Capoeira. O primeiro volume (Pinatti e Oliveira
Silva, 1984, cap. I) consta de duas partes: Capoeira/Cultura e Capoeira/Esporte.
Na apresentação da primeira, aparecem quatro capoeiristas negros e o professor,
branco. Os capoeiristas negros ilustram aqui as formas como se entram no jogo
(as “regras” não escritas), os movimentos básicos e os “movimentos em desuso” (que,
parecem ignorá-lo, têm ainda plena vigência nas academias Angola de Salvador).
A segunda parte, Capoeira/Esporte, está ilustrada por oito capoeiristas
brancos, que mostram as formas de aquecimento (contribuição da educação física)
e os movimentos de cintura solta (agarramentos e quedas) desenvolvidos
por Bimba. A mensagem é muito clara: a Capoeira como cultura pertence aos
negros (e aqui só entram os movimentos básicos, e outros já em desuso) e a
Capoeira como esporte (com técnicas mais complexas e assessoria da educação
física – o preaquecimento) pertence aos brancos.
Tendências atuais da capoeira.
1.
Malícia: Um dos aspectos que a Capoeira atual mais perdeu.
Agora a ênfase recai na velocidade, na força e nos movimentos acrobáticos, em
detrimento da burla e da picardia. Nas academias de Angola existentes, os alunos
desenvolvem esta qualidade desde o princípio.
2.
Complementação: A tendência a jogar mais
afastado por causa da maior rapidez de movimentos e pelo fato de serem mais
espetaculares quebram a complementação já que, em geral, os movimentos som
feitos para o próprio brilho no canto de serem em resposta a um movimento do
adversário.
3.
Jogo baixo: Uso frequente de ataques e defensas realizados
abaixando-se até o chão mais a Angola utilizam movimentos de pé e em posições
intermediárias.
4.
Ausência de violência: A
violência está cada vez mais presente nos jogos.
5.
Movimentos bonitos: A beleza que se busca nos
movimentos corresponde a uma estética diferente. O modelo a imitar é o das
artes marciais orientais e, no aspecto acrobático, o da ginástica esportiva
mais não acontece isto na Capoeira Angola, na qual os movimentos, por mais que
se pretenda torná-los bonitos, tenham um objetivo.
6.
Música lenta: A Capoeira Regional caracteriza-se por seus ritmos
rápidos.
7.
Importância do ritual: Embora
em menor quantidade que na Capoeira tradicional, continuam existindo regras não
escritas para o correto desempenho do jogo.
8.
Teatralidade: É o aspecto que mais se perdeu. Sempre esteve
misturado com a malícia, que o sustenta e lhe dá sentido. É por malícia que sai
da teatralização, enganoso e inesperado, o ataque certeiro mais reduzida
aparição desta na Capoeira Regional, a teatralização quase desaparece.
Academias “mais tradicionais” e “menos tradicionais”.
Existirá
um polo “mais tradicional”, em que a Capoeira praticada conservaria em maior
medida as oito características propostas como típicas da Capoeira tradicional;
e outro, “menos tradicional”, em que estas características estariam pouco
presentes (pouca malícia, pouca complementação, ênfase na luta, violência,
movimentos bonitos segundo a estética branca, pouca ritualização e
teatralização, etc.). Fica entendido que as academias de Angola estariam
situadas no extremo “mais tradicional” da tipologia. Isto não impede que uma
academia, por mais que seja de Regional, embora respeite as características
desta, também se aproxime do outro polo.
Seria interessante verificar, como propõe Ortiz para
sua tipologia.
(Ortiz,
1968, p. 88), se também não poderia ser relacionada com as diferenças de classe
existentes na
sociedade,
ou seja, se as academias “mais tradicionais” são mais frequentadas pelas
classes mais populares e as “menos tradicionais” pelas classes médias e, “na
medida em que a linha de classe coincida com a linha de cor” (Ortiz, 1978, p.
89), verificar se os negros tendem a frequentar mais o primeiro tipo de
academia. Seguramente haveria também uma diferenciação geográfica: as academias
da Bahia podem ser mais perto do polo “mais tradicional” e as de São Paulo do
oposto.
Umbanda e capoeira regional: Dois desenvolvimentos paralelos?
As
religiões afro-brasileiras, durante o fim do século passado e parte da metade
deste, foram perseguidas e reprimidas pela polícia. Isto se devia ao fato de
que o uso de tambores, as danças, os transes, os sacrifícios de animais, a
ênfase em melhorar a vida dos adeptos através de meios sobrenaturais
(adivinhação, oferendas, trabalhos) eram todos elementos que caracterizavam a
religiosidade africana, mas não coincidiam com a visão dominante, branca e
católica do que deveria ser uma religião. Seus praticantes, negros e
pertencentes às camadas sociais mais baixas, desprovidos de poder político, não
podiam opor argumentos à visão racista que os considerava, junto com suas
manifestações culturais, um estigma do qual a sociedade brasileira deveria
livrar-se para “progredir”. Durante a segunda metade do século passado, o
Espiritismo de Allan Kardec se populariza na sociedade brasileira. Nas classes
baixas, mistura-se com as práticas afro-brasileiras, influindo enormemente
sobre elas. Surge assim a Macumba carioca, o Candomblé de Caboclos baiano, etc.
Nas classes médias, impõe-se uma visão mais ortodoxa do Kardecismo.
Durante
meados da década de 20, um grupo de homens de classe média, brancos, de
procedência espírita, insatisfeitos com o que consideravam uma ênfase
desproporcional dada aos aspectos doutrinário e intelectual por parte do
Kardecismo, começam a frequentar os centros afro-brasileiros da periferia.
Somando a sua bagagem espírita uma ênfase no utilitário e em diferentes
aspectos do colorido ritual desses centros, criam uma nova religião que
denominam Umbanda (Brown, 1977, p. 33). Esta “Umbanda Branca”, ou “Pura”, como
é apresentada, elimina elementos de origem africana desses centros: sacrifícios
de animais, oferendas materiais, tambores, danças. Estes aspectos, aos quais consideravam
“primitivos”, chocavam-se com seus valores de classe média. A ditadura militar
que se estabelece em 1964 é benévola com essa nova religião, que considera um
possível meio de controle político. “Os militares, rapidamente, tornam-se muito
mais visíveis e numerosos, como líderes de centros e federações de Umbanda” (Brown,
1977, p. 35). É sob o governo militar que o registro dos templos passa da
jurisdição policial à civil, a Umbanda é reconhecida como religião no censo oficial
e muitos de seus feriados religiosos são incorporados aos calendários públicos
(Brown, 1977, p. 35). Assim, a Umbanda, como variante “mais branca” (Ortiz,
1978) da religiosidade afro-brasileira, acomodasse bem aos valores sociais
vigentes e é integrada ao sistema e legitimada. Por esta razão, expandem-se nos
diferentes níveis sociais e em todas as áreas geográficas, influindo
fortemente, ainda, nas outras variantes da religião afro, tanto as mais
sincréticas (Batuque do Pará, Pajelança) como as mais ortodoxas (Candomblé da
Bahia, Xangô de Recife, Batuque de Porto Alegre). ambas as expressões populares
(a Umbanda e a Capoeira Regional), que paralelismos podem ser estabelecidos? Em
ambos os casos, havia uma manifestação cultural de origem africana, praticada
majoritariamente por setores sociais mais baixos, nos quais predomina a gente
de cor (Capoeira tradicional, Macumba e Candomblé). Estas práticas eram
estigmatizadas e perseguidas em virtude de sua origem étnica e social. Num
determinado momento, um grupo de homens das classes mais acomodadas
interessasse por essas manifestações culturais. Assim, em meado da década de
20, um grupo de “kardecistas insatisfeitos” toma elementos dos centros afro-brasileiros
e cria a Umbanda. Em meados da década de 30, Mestre Bimba, negro, cria a
Capoeira Regional, a partir da tradicional. Sua ênfase na luta, em detrimento
de outros elementos culturais, faz com que sua academia passe a ser frequentada,
na maioria, por brancos da classe média.
Durante
a década de 70 e os anos quase seguiram, a Umbanda se fez presente no Brasil
inteiro e tornou-se “a religião brasileira”. A Capoeira Regional (que por causa
do ínfimo número de academias que ainda praticam Angola, passou a ser a
Capoeira) torna-se a “arte marcial brasileira” e é praticada no Brasil
inteiro. Ambas as variantes, com as transformações sofridas, tendo sido
renegados os elementos negros que inicialmente as caracterizavam, são
integradas ao sistema e legitimadas. O estigma, no entanto, não foi
completamente eliminado. Uma crescente burocracia, através de federações cujos
dirigentes são, em geral, brancos, tenta regulamentar e depurar ainda mais
essas variantes. Mas estas, embora modificadas, mantém em seus praticantes
individuais grande parte do caráter popular que lhes deu origem e resistem em
encaixar-se nos rígidos moldes que lhes impõe o sistema.
Muito obrigada pelo resumo Aitor, e de muita utilidade !
ResponderExcluirÓtimo resumo, realmente de muita utilidade! Bom para relembrar o que conversamos nas aulas.
ResponderExcluirParabéns, Aitor! Baita resumo, auxiliará bastante todos os alunos da disciplina! Abraço.
ResponderExcluirgostei bastante do resumo do gringo, parabéns mesmo.
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